Segunda-feira, 16 de Julho de 2007

Carta dos Direitos da Pessoa Surda

 

(Apresentada ao III Congresso Nacional de Surdos, na cidade de Beja, em 27 de Abril de 2001, tendo sido então aprovada pelos delegados presentes. A mesma irá ser entregue posteriormente a todos os Órgãos do Poder Político e Social)



Preâmbulo

Os representantes da Comunidade Surda Portuguesa, presentes no III Congresso Nacional de Surdos,

Considerando a Declaração Universal dos Direitos do Homem, adoptada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 10 de Dezembro de 1948;

Considerando o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, ambos adoptados pela Assembleia Geral da ONU, em 16 de Dezembro de 1966;

Considerando a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, assinada pelos Estados membros do Conselho da Europa, em 4 de Novembro de 1950;

Considerando a Declaração sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias Étnicas, Religiosas ou Linguísticas, aprovada pela Assembleia Geral da ONU, em 18 de Dezembro de 1992;

Considerando a Convenção sobre os Direitos da Criança, adoptada pela Assembleia Geral da ONU, em 20 de Novembro de 1989;

Considerando a Declaração sobre o Direito e a Responsabilidade dos Indivíduos, Grupos e Órgãos da Sociedade de Promover e Proteger os Direitos do Homem e as Liberdades Fundamentais universalmente reconhecidas, aprovada pela Assembleia Geral da ONU, em 8 de Março de 1999;

Considerando a Convenção Quadro para a Protecção das Minorias Nacionais, de 1 de Fevereiro de 1995;

Considerando que a Sociedade Portuguesa deve respeitar os direitos do Cidadão afectado por surdez, na linha do definido nos referidos instrumentos jurídicos internacionais e do consagrado na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente nos seus artigos 13º e 74º, nº 2, bem como favorecer a Integração cívica, social, cultural e profissional da Pessoa Surda;

Considerando que ser-se “Surdo” significa pertencer a uma minoria sócio-linguística e sócio-cultural, designada por "Comunidade Surda";

Considerando que a Língua Gestual Portuguesa, e eventuais dialectos regionais, é a Língua Natural da Comunidade Surda;

Considerando que a Comunidade Surda permite à Pessoa Surda viver como um Cidadão de pleno direito, independente e responsável;

Salientando o valor do inter-cultural e do bi-lingualismo e considerando que a protecção e valorização da Língua Gestual Portuguesa, língua minoritária em Portugal, não se deve fazer em detrimento da Língua Portuguesa oral e escrita e da necessidade de se ter acesso à mesma;

Reafirmando que o respeito pelos Direitos do Homem e do Cidadão no que concerne à Pessoa Surda implica o reconhecimento da Língua Gestual Portuguesa a todos os níveis, nomeadamente da educação, justiça, autoridades administrativas e serviços públicos, órgãos de comunicação social, actividades e serviços culturais, vida económica e social;

Sublinhando que deve ser promovida em todos os domínios da vida económica, social e cultural, uma igualdade plena e efectiva entre a Pessoa Surda, pertencente a uma minoria nacional e as pertencentes à maioria ouvinte;

Proclamam os princípios que se seguem e adoptam a presente Carta.


ARTIGO 1.º
(Língua Gestual)

1. Toda a Pessoa Surda tem o direito de utilizar livremente a Língua Gestual, em privado e em público.

2. Nenhuma Pessoa Surda pode ser privada do uso da sua Língua Gestual.

3. Toda a Pessoa Surda tem o direito à Língua Gestual Portuguesa e de receber formação nesta língua.
4. Com vista a facilitar a comunicação através da Língua Gestual, o Estado apoia o ensino da mesma a crianças e adultos ouvintes, prestado por professores surdos com formação específica.


ARTIGO 2.º
(Vida Associativa)

1. Toda a Pessoa Surda tem direito à participação na Vida Associativa.

2. O objectivo essencial de toda a Associação de Surdos é a promoção da Vida da Comunidade Surda, promovendo e facilitando o encontro de Pessoas Surdas, a fim de conservar e desenvolver a Cultura Surda, os elementos constitutivos da sua identidade, como seja a Língua Gestual Portuguesa, e o respeito dos direitos fundamentais da Pessoa Surda. O respeito por estes direitos pressupõe a procura de um desenvolvimento pleno através do encontro com os seus semelhantes, a defesa, a conservação e o desenvolvimento da Comunidade Surda.


ARTIGO 3.º
(Vida Política e Cívica)

1. Toda a Pessoa Surda tem direito a exercer os seus direitos e a obrigação de cumprir os seus deveres de cidadão em plena consciência.

2. Para atingir tal objectivo, terão de ser criadas as condições necessárias que possibilitem a toda a Pessoa Surda o acesso a uma informação plena, que lhe permita exercer os seus direitos e cumprir os seus deveres.


ARTIGO 4.º
(Projectos e Decisões)

1. Toda a Pessoa Surda tem direito à participação efectiva na vida cultural, social e económica do País, bem como nos assuntos públicos, em particular nos Projectos e Decisões que, directa ou indirectamente, lhe digam respeito.

2. Toda a Pessoa Surda tem direito à protecção contra a discriminação, a todos os níveis, da sua vida privada, social e profissional.

3. A Comunidade Surda, através das suas Organizações representativas, deve ser consultada antes de serem tomadas decisões sobre assuntos privados ou públicos relativos à Pessoa Surda e a todos os níveis, nomeadamente o do Ensino, da Justiça, dos Serviços Públicos, da Comunicação Social, das Actividades Culturais.


ARTIGO 5.º
(Educação)

1. Toda a Pessoa Surda tem o direito à igualdade de oportunidades, como a Pessoa Ouvinte, no acesso à Educação a todos os níveis desta, bem como a uma educação normal e plena.

2. A Educação deve prosseguir o pleno desenvolvimento da personalidade surda, promovendo o conhecimento da cultura, história e língua da Comunidade Surda.

3. A Educação deve assegurar uma verdadeira formação do Cidadão, tal como esta se encontra definida na Declaração Universal dos Direitos do Homem, na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, na Constituição da República Portuguesa e pela presente Carta dos Direitos da Pessoa Surda.

4. A Comunidade Surda tem o direito de criar e de gerir os seus próprios estabelecimentos de ensino e de formação.


ARTIGO 6.º
(Crianças Surdas Filhas de Pais Ouvintes)

Toda a Criança ou Jovem Surdo, filho de Pais Ouvintes, tem direito à participação na vida da Comunidade Surda.


ARTIGO 7.º
(Pais Surdos)

1. Todos os Pais Surdos devem ser respeitados, integralmente, na prática dos actos que integram o exercício do poder paternal.

2. Todos os Pais Surdos têm o direito de decidir sobre a educação dos seus filhos, sejam estes surdos ou ouvintes.

3. A Pessoa Surda tem direito ao pleno respeito da reserva da intimidade da sua vida privada e familiar.



ARTIGO 8.º
(Formação Profissional e Emprego)

1. Toda a Pessoa Surda tem direito a escolher a sua formação profissional.

2. A formação profissional deve possibilitar a melhor qualificação de toda a Pessoa Surda.

3. Toda a Pessoa Surda tem direito a escolher, entre os serviços de formação profissional disponíveis, o que achar melhor para si e para o seu futuro profissional.

4. Os serviços de formação profissional deverão estar preparados para facilitar à Pessoa Surda a escolha da formação pretendida, bem como de lhe possibilitar uma boa orientação profissional.

5. Toda a Pessoa Surda tem direito à escolha da sua profissão, mesmo se a profissão escolhida apresenta incompatibilidade aparente com a Surdez.

6. Ninguém pode ser privado do seu emprego em razão da sua Surdez.

7. Os poderes públicos, bem como a Sociedade Portuguesa, devem encontrar soluções para adaptar ou modificar certos postos de trabalho, de forma a facilitar o acesso ao Emprego das Pessoas Surdas, especialmente na Função Pública.

ARTIGO 9.º
(Serviços de Interpretação)

1. Toda a Pessoa Surda tem direito ao serviço gratuito de intérpretes de Língua Gestual.

2. Os poderes públicos devem criar condições para um efectivo funcionamento de serviços de intérpretes de Língua Gestual gratuitos, para as Pessoas Surdas, que de tal tenham necessidade.

3. Nenhuma Pessoa Surda pode ser obrigada a utilizar serviços de intérprete de Língua Gestual. Toda a Pessoa Surda tem direito a escolher o modo de comunicação que pretende, em todas as situações que lhe digam respeito.


ARTIGO 10.º
(Justiça)

1. Toda a Pessoa Surda tem direito ao uso oficial da Língua Gestual em Tribunal.

2. Nenhuma Pessoa Surda pode ser privada da presença de Intérpretes de Língua Gestual, e das ajudas técnicas complementares de comunicação no âmbito jurídico.


ARTIGO 11.º
(Informação e Cultura)

1. Toda a Pessoa Surda tem direito ao pleno acesso à Informação e à Cultura, através da Língua Gestual.

2. A Informação deve ser totalmente transmitida, privilegiando a Língua Gestual ou a legendagem, em todas as Televisões, públicas ou privadas.

3. A Cultura deve ser facilmente acessível às Pessoas Surdas, em todos os seus domínios: artes, literatura, ciências, tecnologia, museus, criando-se as condições necessárias para tal.

4. A Informação em todos os lugares públicos deve ser totalmente difundida em suporte visual.

5. Nenhuma Pessoa Surda poderá ser privada do acesso a toda a Informação, independentemente de qualquer critério selectivo, que só a ela caberá.


ARTIGO 12.º
(Segurança)

1. Toda a Pessoa Surda tem direito a estar visualmente prevenida e informada em relação à sua segurança.

2. A segurança deve estar assegurada em todos os lugares e edifícios públicos e privados devendo estes estar obrigatoriamente dotados dos necessários meios de prevenção e informação visuais para as Pessoas Surdas, em caso de urgência, de perigo e de alerta.


ARTIGO 13.º
(Medicina)

1. Toda a Pessoa Surda tem direito a decidir submeter-se ou a recusar qualquer intervenção ou tratamento médico-cirúrgico.

2. Nenhuma Pessoa Surda pode ser obrigada a suportar um tratamento médico sem que lhe tenha sido prestada uma anterior informação clara e completa sobre o diagnóstico, e a índole, alcance e possíveis consequências da intervenção ou do tratamento médico proposto.

3. Nenhum tratamento da surdez, que possa afectar a sua integridade pessoal, pode ser imposto a um menor surdo.


ARTIGO 14.º
(Acessibilidade)

1. Toda a Pessoa Surda tem direito aos meios de acessibilidade, que permitam abolir eventuais barreiras provocadas pela surdez, de forma gratuita.

2. Todos os meios técnicos e de equipamento, que facilitem a acessibilidade na vida privada e pública da Pessoa Surda, devem ser totalmente gratuitos e financiados pelos poderes públicos.

3. Os poderes públicos devem custear todos os meios que possibilitem uma total acessibilidade social e profissional para a Pessoa Surda.


ARTIGO 15.º
(Actividades Culturais, Desportivas e de Lazer)

1. Toda a Pessoa Surda tem direito a aceder às actividades culturais, desportivas e de lazer.

2. Toda a Pessoa Surda deve poder participar plenamente nas actividades culturais, desportivas e de lazer propostas pela Sociedade.


ARTIGO 16.º
(Respeito dos Direitos)

1. Toda a Pessoa Surda tem direito a que sejam respeitados os seus Direitos, qualquer que seja o seu modo de expressão.

2. O Estado deve abster-se de toda a prática tendente a assimilar a Pessoa Surda na sociedade ouvinte contra a sua vontade.

3. Nenhuma desvantagem pode advir para uma Pessoa Surda em consequência do exercício ou do não exercício dos direitos reconhecidos na presente Carta.


ARTIGO 17.º
(Surdos com Outros Problemas Físicos ou Mentais)

Toda a Pessoa Surda, incluindo as afectadas física ou mentalmente por outros problemas de saúde, deve ver respeitados todos os seus direitos de Pessoa Surda, tal como se encontram definidos na presente Carta.



 

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publicado por palavrasnosilencio às 11:01

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